TEATRO VIVO NA NOSSA RENCA DE PERIFA | por Jorge Cardozo

O Último Aniversário do Guanabara, Praça Santos Dumont, Nova Iguaçu (01/11/2025). Foto de Jorge Cardozo.

Após uma semana pesada no trabalho e recheada de pequenas conspirações do bem, após um Dia das Bruxas (ou do Saci, como queiram) com bem servidas cervejas e ótimo papo, confesso que estava com alguma preguiça de sair do bairro. Sabadão de sol, depois de uma noite fria. Netflix e o bar da tia Maria – na rua em que moro, olha só – disputavam a minha presença e atenção.

Só que às vezes o dever fala mais alto. Ainda mais quando a convocação vem de uma amiga querida. A missão: assistir uma apresentação de um grupo de teatro estreante na Praça Santos Dumont em Nova Iguaçu. 15h. Fui de busão mesmo. Mais 20 minutos de caminhada. Cheguei um pouquinho atrasado. Cadeiras de plástico dispostas em círculo. Começou? Ainda não. Pode ficar à vontade. Eu sou o… e vim fazer uma matéria sobre a peça. Ótimo. Já vamos começar.

Daí pra frente tudo foi diferente. Fui positivamente surpreendido pelo trabalho apresentado para uma plateia de pouco mais de meia centena de pessoas. O Renca Coletivo de Teatro apresentou O Último Aniversário do Guanabara, uma encenação típica do Teatro de Rua, lembrando muito os esquetes feitos nas décadas de 80 e 90, sob a influência de Amir Haddad e outros mestres do teatro engajado.

Os três artistas em cena fizeram bom uso de seus instrumentos corporais – vozes, gestos e movimentos – para criar uma série de situações com forte crítica social. Passearam com facilidade sobre temas como aquecimento global, consumismo, exploração do marketing, manipulação da credulidade dos consumidores e subordinação da imprensa aos interesses comerciais.

Através do exagero e do humor conseguiram envolver a plateia, que riu e se emocionou, com temas não exatamente palatáveis, como o descarte de mais de oito mil toneladas de resíduos plásticos nos oceanos.

Um ponto alto do espetáculo foi quando, sem perder a “pegada” humorística, distribuíram um panfleto de um suposto movimento NÃO VÃO NOS CALAR – 500 mil mortos no último aniversário Guanabara, culpa das fictícias empresas Elite… O panfleto termina com um apelo: Diga não ao Biscoito Elite. #ELITE ASSASSINA. Genial.

“Fiquei agradavelmente surpreso com o trabalho do grupo. Divertido, emocionante e com forte conteúdo social. Faixa etária média de 25 anos. Prova talvez que tenha muito mais gente fazendo coisa boa por aí e a gente não sabe. Deu até pra levantar o astral e renovar a esperança.

Alguns probleminhas, claro. Em que pese ser teatro de rua, onde os atores têm meio que ganhar no grito, achei um pouco exageradas as expressões faciais e o excesso de ruído. Mas é o aniversário do Guanabara, né? Há que ser incômodo mesmo. No início pareciam meio titubeantes, como se em dúvida de quem era a fala da vez. Depois engrenaram.

Apesar de o Mateus, ator e idealizador da peça, ter declarado em entrevista que tiveram a intenção de mostrar a diferença de comportamento e valores entre as populações da Baixada e do Rio, isso não fica muito claro na peça. Na verdade são poucas as referências diretas à Baixada.

Esses problemas apontados são facilmente corrigíveis. Principalmente considerando que é a primeira peça encenada pelo grupo.

Recomendo.

Vida longa ao Renca Coletivo de Teatro!

ESTE É UM ESPETÁCULO DO RENCA COLETIVO DE TEATRO

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Jorge Cardozo, poeta e jornalista da Baixada Fluminense.

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