UM CONVITE A ARTE POPULAR, COM O BRINCADO ROMANCE DE FLORA E VALENTIN | Por Celso Guimarães Júnior

No dia 04 de Agosto de 2024 fui a primeira vez à estação da Pavuna, final da linha verde de metrô Rio (parada que leva o nome do rio que corre morto ali bem perto).

Acompanhado de Heder Braga, desci as escadas da estação que possui uma feira livre em seus degraus. O trajeto até o SESC  estava repleto de cheiros de frutas, sons urbanos, cores vibrantes, foscas, brilhantes, terrosas e qualidades visuais que nem sei descrever. Enfim, um caminho único e com uma visualidade singular. Mas porque isso importaria? Porque o trabalho da Cia. de Arte Popular assim também foi.

– Vamos a essa tentativa de mediação crítica!

Uma ‘fotografia’ no palco iluminado de azul recebe-nos ao entrarmos na sala. Vemos dispostos e parados em cena todas as atrizes e atores, frente ao cenário. Ao fundo, formando uma espécie de painel há duas cortinas feitas de dobraduras barcos de papel e entre elas um tecido com várias imagens  que serão manipuladas e completadas no decorrer da peça. No chão, há vasinhos de plantas coloridas que são as luzes de ribalta, formando uma área de atuação onde a história nos será contada. Beto Gaspari está em sua ilha cênica à parte e ambienta-nos sonoramente, com uma melódica composição que vai se repetindo, até os sinais tradicionais de início de espetáculo. Nessa recepção, nos deparamos com a teatralidade do evento, mas já aguardamos que haverá anúncios do teatro SESC antes de a peça “começar” de fato.

O espetáculo O Brincado Romance de Flora e Valentin, da Cia de Arte Popular, é um infanto-juvenil, de classificação livre e com intérprete de Libras. Se pretende uma imersão na fábula, com “concepção cênica calcada” numa pesquisa dos aspectos visuais e sonoros, como descreve a companhia. Tanto a visualidade quanto o espaço sonoro são dignos de comentário, pois trabalham com elementos muito diversos em texturas, cores e sonoridades, a fim de ambientar a história. As músicas e luzes dão ritmo e suporte sensorial no desenrolar da trama. Instigam os olhos e ouvidos atentos do público de pequeninos durante a quase uma hora de duração.

O enredo de Cesário Candhí bebe de lendas ribeirinhas do Rio São Francisco, e romances de amor como Dom Quixote. Pincela essas referências na jornada cavaleiresca de Valentin em busca do coração de sua amada Flora, que “foi levado feito folha rio abaixo”. Para resgatar o coração da amada nas margens do “Velho Chico”, a gente acompanha as aventuras do menino Valentin, que se relaciona com figuras folclóricas e mitológicas em sua jornada pela virtuosi final. As figuras com quem o menino interage surgem em formas animadas, como bonecos manipulados em cena, ou de maneiras interpretativas, como a partir de linguagem de máscaras e outros adereços que modificam o corpo de quem atua. O elenco reveza-se na ocupação do espaço cênico, e cada um muda de personagem de acordo com as necessidades de construção da história teatralizada. 

Dá para notar que é trabalhoso montar um espetáculo como o que se sucede. E confesso, que é muito importante para a cultura do Estado ter uma companhia ativa a 27 anos na baixada, surgida em Duque de Caxias. Escrevo isto porque acredito que a cultura não deve ser um bem material centralizado em capitais ou ilhas de consumo. E que montagens como essas devam ter notoriedade, por serem feitas na e para a baixada.

O espetáculo contou com uma equipe composta de 15 pessoas, entre cena, interpretação de Libras e bastidores, como disposto na ficha técnica. Algo que, a meu ver, deveria ter sido celebrado por um público maior. Também faço essa observação pensando a partir do preço, mais acessível que a maioria dos espetáculos na capital fluminense. Mas, infelizmente, a sala ficou somente com metade das cadeiras ocupadas.

Como toda e qualquer atividade humana, “O brincado Romance” tem suas limitações e coisas que podem ser re-vistas. Na paisagem sonora, por exemplo, a ocupação vocal do espaço total do teatro, a dificuldade sonora na utilização da máscara, ou a sincronicidade dos cantos, podem ser revisitadas para possíveis ajustes. Já na composição visual, as maquiagens ficam pouco evidentes de longe, e uma bolsinha plástica usada por Valentin, destoa muito da textura visual proposta pelo cenário e demais adereços. Já no enredo, algumas soluções não são tão bem trabalhadas quanto às propostas de conflito.    

Mas deixo claro que essas ressalvas não dificultaram a interação do público com a proposta, que a aplaudiu bastante e tirou fotos animadamente com o elenco no fim do evento. O que salienta que, o que se propõe em cena é uma experiência proveitosa para a família num domingo à tarde. É Boa para a cultura do Estado, e para o interesse cultural em teatro! Para melhorar ainda mais, a tarde ficou adocicada com os maracujás que comprei ao passar novamente pela feira.

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Celso Guimarães Júnior é ator, dramaturgo, performer e, principalmente, entusiasta do teatro! Estuda Estética e Teoria do Teatro na Unirio e se aventuro a escrever sobre espetáculos que de alguma forma o atravessam com o intuito de aprender mais sobre teatro.

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